Publicado no jornal O Globo em 27/06/2011, Opinião
Por: Rafael Pinho de Morais
A aquisição da Sadia pela Perdigão para a formação da Brasil Foods, ou BRF, voltou ao noticiário depois que o conselheiro-relator Carlos Ragazzo, no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), vinculado ao Ministério da Justiça, apresentou seu voto pela reprovação da operação. Após a (longa) leitura do voto, o próximo conselheiro a votar, Ricardo Ruiz, pediu vista do processo. Nada mais justo num caso complexo e de tamanho impacto que um conselheiro tenha um tempo para analisar melhor o caso. O foco deste artigo, no entanto, está nos incentivos perversos que o adiamento da decisão implica e no perigoso precedente que se está criando.
Segundo divulgado pela mídia, a BRF apresentou na última terça-feira (21/06) nova proposta ao Cade para viabilizar a aprovação com restrições do negócio, e os advogados das duas empresas envolvidas já estariam negociando cláusulas para um Termo de Compromisso de Desempenho (TCD). Se o Cade decidir conhecer esta nova proposta estará cometendo grave equívoco, independentemente do teor da mesma e da decisão final do órgão.
Desde a notificação do ato em 2009 e até o voto do conselheiro relator, houve ampla oportunidade para as empresas proporem restrições ao ato de concentração, como a venda de ativos produtivos e marcas importantes. Ao invés disso, as requerentes optaram por contratar mais de vinte pareceres técnicos e propor a cessão de ativos e marcas de, no mínimo, segunda linha. Foi uma estratégia suicida, mas uma estratégia. Note-se, no entanto, que, se agora tudo for renegociável, esta estratégia deixa de ser suicida e se torna perfeitamente racional – e assim o será para outras empresas nos próximos atos de concentração importantes.
Este é o precedente para o qual este artigo quer alertar. Análise antitruste não deve ser feita por tentativa e erro, no que os economistas costumam chamar de sintonia fina. Existem razões, por exemplo, para que a proposta oferecida nos Termos de Cessação de Conduta anticompetitiva (no que se inclui o montante da contribuição voluntária) seja apresentada apenas uma vez, e caiba ao Cade apenas aceitar ou rejeitar. Ou seja, a proposta de TCC não é negociável.
As razões que apoiam essa não negociação (seja no TCC, seja sobre restrições para a aprovação de atos de concentração) são as mesmas que fazem com que um leilão de preço selado tenha um resultado melhor para o leiloeiro do que um leilão clássico (leilão inglês, ou de preços ascendentes). Estas razões se chamam incentivos (e a privatização do Banespa é o exemplo preferido de sala de aula). Deve-se salientar que, além de o resultado ser pior com a renegociação, tal possibilidade aumenta em muito o tempo para a decisão e os custos de transação e barganha do processo. No caso da defesa da concorrência, o leiloeiro é a sociedade brasileira.
Em suma, o Cade só deve adiar o julgamento quando a motivação exclusiva para tal for o estudo do caso pelos julgadores. Vir a avaliar nova proposta da empresa não só aumentará o tempo para uma decisão final, mas incentivará empresas a fazerem propostas irrealistas ao longo da instrução em casos futuros. Não se trata de ser intransigente, “engessar o sistema”, mas sim de defender a eficiência e o interesse público e obter os melhores resultados para a sociedade.