O verdadeiro significado de trazer o TCU para dentro das entidades controladas

Publicado no JOTA em 02/08/2019
Por: Rafael Pinho de Morais

Este artigo é uma resposta ao artigo “A expansão do TCU para dentro de entidades controladas”, publicado pelo JOTA, e almeja contribuir a este importante debate.

 

Em instigante e eloquente artigo publicado no JOTA[1] em 17/07/2019, Eduardo Jordão nos alerta para o fenômeno recente de ocupação de cargos de diretoria em “entidades controladas” por membros ou ex-membros do TCU.

O autor dá como exemplo principal a nomeação agora de 3 entre 10 diretores da nova presidência do BNDES, mas ilustra a não-novidade do fenômeno com 3 casos pontuais anteriores: 1 na ANTT, 1 no CADE e 1 na Casa Civil. Além de o quantitativo (de 5 exemplos) não ser tão eloquente quanto a argumentação do texto, cabe notar de antemão que qualquer órgão do Executivo é potencialmente uma “entidade controlada” do TCU, o órgão constitucionalmente responsável pela fiscalização das atividades dos servidores públicos federais. Em outras palavras, qualquer nomeação de membro ou ex-membro do TCU para qualquer função distinta no governo federal se enquadraria como evidência da teoria proposta como “expansão do TCU para dentro de entidades controladas”. Vale a ressalva de que 5 exemplos no total não é um quantitativo que chame a atenção, mas 3 em 10 diretores do BNDES é.

Ademais, salta aos olhos no texto de Jordão no JOTA a menção feita a interessante trabalho empírico[2]. O autor dá textualmente a entender que essa pesquisa não teria identificado até 2016 “dirigente de agência reguladora federal no setor de infraestrutura com ligações pretéritas com o TCU”. Cabe notar que a pesquisa simplesmente não atentou para isso, não teve este foco. Dito de outra forma, este fato pode simplesmente ter passado despercebido na pesquisa – ou ao menos é isso que a leitura da pesquisa transmite. A única menção feita ao TCU (e à CGU) no relatório da pesquisa é no começo, no registro ao início do relatório de órgãos que não responderam a contento às solicitações de informações. No corpo do relatório não há menção alguma ao TCU. Desta forma, qualquer dirigente de uma das 6 agências federais pesquisadas (ANATEL, ANTAQ, ANAC, ANEEL, ANP e ANTT) que tenha sua origem no TCU estaria nos 15% de “Outros órgãos e entes do Estado”. E 15% é gente à beça!

Os autores da pesquisa explicitaram alguns órgãos na tabela da página 2 sobre “Origem dos nomeados para cargos de direção nas Agências Reguladoras federais selecionadas”. Ali aponta-se que 25% possuíam origem em “Agências Reguladoras”, 23% em “Ministérios”, 12% em “Empresa estatal” e, enfim, os 15% de “Outros órgãos e entes do Estado”. O restante teria origem na Academia e no setor privado. Na nota à tabela, os autores ainda mencionam: “Na categoria “outros órgãos e entes do Estado” estão reunidos órgãos e entes estatais não listados, como o IPEA, o Legislativo municipal e órgãos de Governo estadual.” Como dito, nenhuma menção ao TCU.

Se por um lado, nenhuma importância é dada ao TCU na pesquisa citada, por outro não precisa ter um número expressivo para corroborar a expansão do TCU, mesmo anterior ao ano da pesquisa (2016). Se dos 15% de outros órgãos, digamos, 3% forem oriundos do TCU, a teoria levantada por Jordão seria já válida mesmo antes de 2016. Se for 1%, provavelmente também. Teríamos possivelmente algo como os 5 exemplos pós 2016 trazidos por Jordão em seu texto.

O ponto é: a interpretação dada por Jordão à pesquisa é equivocada. É preciso olhar os números, perguntar aos autores se há TCU dentro dos 15% de “Outros órgãos e entes do Estado”. Pelo relatório da pesquisa só se pode concluir que nada se pode concluir (sobre a eventual origem no TCU de dirigentes das seis estatais). Pode ser que os dados da pesquisa apontem que a leitura de Jordão está correta – e que antes de 2016 não havia a expansão do TCU teorizada por ele – e pode ser que já na pesquisa de 2016 tal expansão possa ter sido detectada. Seria, inclusive, interessante saber.

O ponto principal deste artigo de resposta não é, no entanto, criticar o autor por uma má interpretação de um relatório de pesquisa, nem por ter trazido como evidência de sua teoria números não tão eloquentes quanto seu texto. A ideia principal é alertar para outro efeito perverso caso sua teoria seja validada por números mais eloquentes. Na verdade, alertar para o efeito oposto…

Jordão apresenta a nomeação de membros e ex-membros do TCU para outros órgãos do governo federal como uma “nova etapa da trajetória expansionista” do TCU. Segundo o autor, “a literatura já documentava (i) a extrapolação, pelo TCU, de suas competências legais e constitucionais; (ii) o uso desmedido de poderes de sanção; (iii) a consequente submissão de diferentes entidades administrativas às “meras recomendações” deste órgão de controle; e (iv) o costume desenvolvido por várias destas entidades de “consultar” o TCU antes da tomada de decisões de sua competência.” Para o autor, nesta nova fase, “o TCU deixaria de ocupar apenas espaços decisórios de diferentes entidades administrativas, para passar a ocupar seus espaços físicos”.

A grande preocupação de Jordão é com o avanço do TCU, é com termos MAIS fiscalização. Tanto é assim que ele encerra seu artigo dizendo que a nomeação em massa de gente do TCU para a diretoria do BNDES “é mais uma demonstração do desequilíbrio institucional pendente em favor de órgãos de controle e, em especial, do TCU. Pode significar que o TCU vem vencendo (ou já venceu) o jogo de poder que disputa com diferentes entidades administrativas.”

Isso, no entanto, é totalmente contraditório com o que ele mesmo aponta antes: “chamar para dentro de sua diretoria membros ou ex-membros dos órgãos de controle é mais uma estratégia de blindagem institucional e de preservação de seus funcionários”. E o é de fato. E é aí que está o perigo.

Dito de outra forma, este movimento de nomeação de membros e ex-membros do TCU para diretorias de órgãos supervisionados pelo TCU não é um movimento a mais, uma extensão natural de uma longa manus do TCU que já vinha intensificando seu controle. Muito pelo contrário, é uma resposta, é um contra-ataque, é uma tentativa justamente de se blindar – DIMINUINDO a efetividade do controle exercido por órgãos como o TCU. E não o contrário.

Surpreende a conclusão do autor no sentido oposto. Inclusive o subtítulo de seu artigo é taxativo: “Fenômeno é mais um sinal de desequilíbrio institucional em favor do controle”. Mas é o mesmo autor quem diz: “Com esta incorporação, espera-se mesmo que a relação com este órgão de controle seja “aperfeiçoada”, numa linguagem eufemística. No caso do BNDES, era notória a preocupação de integrantes do banco com o incremento do ímpeto fiscalizatório e sancionatório do TCU em processos relacionados com políticas públicas do governo anterior”.

É realmente preocupante o movimento apontado por Jordão e a sociedade precisa estar atenta. Seria desejável que o governo federal e o TCU em particular adotassem uma postura institucional contrária a essas nomeações. Mas pelas razões opostas das apontadas por Jordão: de enfraquecimento do controle. É absolutamente indesejável – para a boa Regulação e o bom funcionamento do Estado – este “azeitamento” das relações entre entes fiscalizadores e fiscalizados.

[1] https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/controle-publico/a-expansao-do-tcu-para-dentro-de-entidades-controladas-17072019

[2] http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/24882

 

Publicado originalmente em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-verdadeiro-significado-de-trazer-o-tcu-para-dentro-das-entidades-controladas-02082019

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